terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Amore e Rabbia: o Evangelho segundo "lo Santo Cinema Italiano"

Para além das aulas (retomadas) na Flup, existem uma imensidão de outras eventos que por lá ocorrem. Claro, ninguém é ubíquo, fazemos escolhas diárias e a todo o instante, e nesse lugar a Sociologia é a minha prioridade...mas é sempre uma delícia assistir aos ciclos de cinema realizados pelos vários departamentos ou institutos da FLUP ( um lembrete para "la Chinoise" de Godard, amanhã, no Auditório, as 19h30). Este post serve então duas funções, primeiro, divulgar e sensibilizar os frequentadores anónimos ou assumidos deste recanto rosa das "mil e uma delícias" em formato cinematográfico incluídas na programação cultural da Flup (sublinho desde já as minhas saudades do FiTaS), como, em segundo, abrir a curiosidade para algum do cinema seleccionado pelos departamentos e assim divulgar o conteúdo das mostras. Esta noite, o núcleo do cineclube italiano (composto e organizado por um conjunto de pessoas de algumas faculdades da U.P, nomeadamente Belas Artes) apresentou a sua terceira sessão, num contínuo elogio ao cinema italiano. AMORE E RABBIA, é uma película composta por 5 pequenos discursos ou reflexões acerca de 5 parábolas bíblicas para a contemporaneidade, cada uma sob o olhar de 5 cineastas: Lizzani, Bertolucci, Passolini, Godard e Bellochio - cada cineasta aqui também é autor do respectivo argumento. - Lizzani - L´Indifferenza -aborda o tema da dádiva e da boa acção à escala da frieza, anonimato e individualismo, característicos dos contextos urbanos - a escolha de contextualização recaiu na sobrepovoada "Big Apple", Nova Iorque. - Bertolucci - Agonia - numa analogia à parábola da Figueira Estéril, simplesmente fascinante: Um bispo (protagonizado por Julien Beck) está às portas da morte...numa espécie de catarse à vida, ele é envolvido numa performance (protagonizada pela companhia The Living Theatre, lanço aqui uma mensagem à minha amiga "VisionaryAwaits": em sentido lato este também é o meu teatro de eleição :-) ), que mimetiza os momentos que conduzem a nossa existência terrestre, confrontando organicamente, pela gestualidade e movimento do corpo, na entoação dos auto-retratos, um Outro, o outro corpo, débil, enfermo e, doente já ofegante por respirar fora da sua matéria física. A aproximação à morte é assim pautada por um ritual em que se expugnam as resistências à natureza da condição de todo o ser vivo. A figueira mesmo que estéril numa estação do ano, não é decepada, arrancada à natureza...ela dará frutos em Outra Estação, quase que sou tentada e acrescentar: deixai então vir o tempo no seu atempado caminho. Este foi um dos 5 momentos do Amore e Rabbia que mais me marcou, confesso-me hipersensibilizada (novamente) pela suprasensibilidade, mais que estética, diria poética de Bertolucci. Genialidade?! sim, sem dúvida, pela espontânea capacidade de desconcertar (a emoção). - Pasolini - La Sequenza del Fiore di Carta - fala da inocência, colocando-se a questão da virtude ou duma aproximação perversa duma das suas possibilidades, à qual muitas vezes, aquela empresta nome para preservar consciências de classes, distanciamentos e desigualdades sociais: o alheamento à violência e injustiça, a acrítica aceitação e passividade do que não pode ser tolerado nem ocultado. - Godard - L´Amore - Único cineasta francês que sob um título italiano, compõe esta sumptuosa composição. Não precisei que esta foi apresentada na 19ª edição do Festival de Berlim, em 1969, precisamente após o conturbado ano corolário dos manifestos estudantis e de outros movimentos sociais, pelos EUA e pela Europa. Debate-se o amor, a (im)possibilidade da sua ocorrência quando protagonizado em eixos opostos do antagonismo de classes...a democracia é realizável com a revolução?, pergunta-nos Godard pelo diálogo do enamorado à sua amada burguesa. Diálogos bilingues, um fala francês repetindo o que o outro diz em italiano, e inversamente, numa clara metáfora ao entendimento mas em linguagens diferentes, sujeito então às inevitáveis deturpações semânticas, imaginamos o assombro do silêncio e ruptura entre classes. - Bellochio - Discutiamo, Discutiamo -último filme da sequência explora com a ideia de uma revolta estudantil na reputada década de 60, no mundo universitário italiano, em que aos manifestos e argumentos de estudantes de esquerda, se opõem o corpo académico, polícia, sociedade civil e homólogos colegas...de direita.
Lanço o convite para a próxima sessão organizada pelo cineclube italiano: dia 11 de Março com L´Innocente de Visconti. Comentário meu garantido na noite mesma :-).

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