domingo, 18 de novembro de 2007

Que fazer com os corpos mortos?!

Mudança de atitudes perante a morte parece ser traduzida pela opção crescente dos portugueses pela cremação, os números publicados hoje no Público salientam que num espaço temporal de 10 anos (1997/2007), os números de cremados em Lisboa quadruplicou, passando de 9% aos 40 % nessa região, ou seja 4 em cada 10 defuntos são cremados. No Porto a taxa desce para metade, a cremação representa 20% dos funerais, registando-se crescentes subidas de ano para ano. No Alentejo esse o número de incinerados apesar de mais baixo, revela a mesma tendência crescente: em 2001 registaram-se 48 cremações passando para 134 no ano seguinte e aumentando até aos 235 no ano corrente. E para tal aumento o Público anunciou que já está prevista a abertura de mais 3 fornos crematórios em todo o país, na Figueira da Foz, em S. João da Madeira acrescentando-se outro aos já existentes em Lisboa também. A esta mudança de atitudes Donizete Rodrigues (professor de Antropologia da Beira Interior) responde que: “A industrialização, a urbanização e a racionalidade, como consequências da modernidade, provocam o banimento e a recusa da morte. O objectivo é, com o desenvolvimento da ciência, prolongar a vida e adiar a morte” resultando isto num “esvaziamento do lado dramático da morte”, é também neste contexto que “o corpo como suporte da alma deixa de ter importância”, para passar a ser olhado apenas como “matéria em decomposição”. “O importante passa a ser a alma, que se desprende do corpo no momento da morte”. O Antropólogo refere em conclusão que porque Portugal está numa fase de "modernidade tardia" - e, todos sabemos em acentuado atraso comparativamente aos países do centro onde a racionalização da morte pela prática da incineração dos cadáveres sempre esteve bastante presente com particular incidência nos países protestantes - e entre nós, marcados fortemente pela historicidade do catolicismo, estas práticas apresentam novidade porque se correlacionam com novas apreciações e percepções decorrentes de mudanças mais vastas em que penso poder arriscar aqui um item explicativo a titulo de denominador comum: a desumanização do corpo pela técnica médica e pela ciência em geral. Pessoalmente sinto uma certa angústia com a ideia da cremação mas uma dor ainda mais forte com a imagem de um corpo em decomposição, subterrado, comprimido e asfixiado entre quatro tábuas de um caixão também ele sujeito às leis da putrefacção, um corpo vulnerável ao frio e à humidade das chuvas invernosas. Sim, não suporto cemitérios porque é isto que eles me transmitem . Claro que os "pragmáticos" me dirão : Ah, mas um corpo morto não sente! Pragmaticamente respondo: Provavelmente não, mas antes de um corpo morto houve um corpo vivo e é essa ideia que merece ser preservada. Não quero com isto dizer que subscrevo a suspensão criogénica porque também me aflige a ideia de um corpo submerso a mais de 200º negativos em nitrogénio líquido, sou muito céptica também face aos usos que a ciência e o mercado fazem do sonho humano - e legítimo - da imortalidade....mas agrada-me a ideia de um corpo tela, pintado, ornamentado ao gosto dos entes queridos numa invocação às memórias do que foi e é a Vida e, depois preservado recorrendo às antigas técnicas das civilizações antigas. A este propósito aconselho o "Pillow Book" do Peter Greenaway - cineasta que se aproxima muito desta minha ideia de manter a memória (neste filme, em particular) pela estetização da morte. É claro que depois me diriam...e o luto não se tornaria assim irresolúvel?! ...não sei, mas pelo menos uma certa paz aconteceria. P.S para quem se interessar por esta questão tão fortemente enraizada e projectada pelo imaginário humano aconselho um livro do Edgar Morin , um olhar mais que antropológico sobre a morte "O Homem e a Morte".

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